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PEQUENOS TRECHOS DO OPÚSCULO
“RECONTANDO ESTRELAS”

Por MECSO — poeta catártico
(um pseudônimo/semi-heterônimo de FABBIO CORTEZ)

Mecso não é pessimista, embora possa parecer. Ao contrário, usa seus versos como catarse, a fim de dissolver pensamentos destrutivos e evitar alimentá-los de novo, redirecionando a mente para o producente, para a esperança, para a autocura.


Recontando estrelas


perdi a conta de quantas vezes
perdi a conta das estrelas
que contava

perdi o que contava não perder

quantas mais nem estavam lá
diziam, dizem
mas estavam lá tantas
e eu contava todas
todas não, todas que eu podia
queria nem saber se vivas ou não

eu, criança, meio com medo
de me nascer no dedo
verrugas — eu arriscava!

ser criança é tão bom...
(mesmo com um medo ou outro)

e nunca nasceu verruga alguma
nem sequer uma
em meu indicador direito
(que sou destro)

nasceu foi no queixo
(saiu depois com Iodex)
nasceu de tanto eu olhar pra cima
nas noites limpas
tais quais crianças

perdi a conta do que perdi
o que contava não perder


Não poema


meus versos estão depressivos, tristes, absurdamente tolos
e tristes

não os animo, não os levo para sair
e arejar a cabeça,
pois os compreendo, eles não querem ser vistos

por isso os desescrevo, é como se o poeta estivesse vazio,
cheio de tudo, eu-clichê: "cheio de vazio"

e também... ah, eles que se danem, estes versos tristes e tolos!
(como me dano)

devo desaparecer com eles, pedem-me para suicidá-los
estes ordinários e tolos versos tristes

não farão mesmo falta a ninguém...

este não poema vai assim então carregado de nada,
versos de nada sobretudo, pois sobre tudo já pensei
(e isso só me serviu para ver o óbvio,
que a vida é nada, nada demais, demasiadamente nada)

então aqui afinal suicido estes versos, como me suplicam
neste não poema


O corpo


O corpo. Ora, o corpo. O tão endeusado objeto
Máquina ilimitada de vaidade
Olha, que corpo bem-feito
"Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça..."
Seja em Ipanema ditando moda
Ou na Madureira empobrecida
Seja em Manhattan inventando moda
Ou num daqueles buracos tristes da maçã apodrecida
Eis o corpo belo corpo nas academias de ginástica
E nos ininterruptos carnavais
Uns viram até bonecos de cera no museu da madame
E há prazer no que não é
No que acaba hoje ou qualquer dia desses
Estamos embriagados, cegos de volúpia
E o que é não é
O corpo. Ora, o corpo: as conotações se esbarram:
É o endeusado, vaidoso a mostrar-se de novo
Antes de ser enterrado ou cremado ou esquecido num canto, coitado
Olha, que corpo bem-feito a ser esquecido
"Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça..."
A cheirar mal demais da conta
Seja em Madureira, em Ipanema
Seja em Manhattan, nos raios que o partam
Eis nossa vontade passageira e o corpo
O corpo por fora da gente
O que foge das gentes
O corpo estrutural é o corpo sobre o qual se chora
Queira ou não queira
Um, dois, um, dois: movam-se os músculos!
Dois, um... e zero: nenhum músculo se move
Ora, o corpo
E uma criança pequena com o corpo imóvel de espanto
Sem entender direito o pranto, sussurra:
"Parece um boneco de cera..."


Mais de tristeza


Sou de alegria e tristeza
igual a todo mundo.

Mas hoje mais de tristeza.

Não nasci com esse defeito
(nasci com muitos;
com esse, não)

este de mais tristeza
e de ter a esperança
com rachaduras.

Deixei cair a esperança do peito ingênuo
por susto
do cúmulo de acúmulos.

Bateu forte na pedra da vida.


Vamos de versos de expurgar


Versos de expurgar, jogar fora na história
o lixo caído do lado de fora das latas de lixo
Matar um monte de mortes coitadas de bichos
apodrecidos nas ruas da cidade de escória
Os espíritos estão podres, mais sujos
que as carnes a estragar-se entregues ao dito-cujo
Vamos cavar além da cova que se nos abre
para a bela multidão que nem sequer de si sabe
Ou se sabe não lembra, ninguém conhece a hora
Se sabe, nem se lembra de expurgar, jogar fora


A gente acorda


A gente acorda a intuir piedade,
luz depois do céu cinza pesado.
Mas a vida confessa-me quem é
e a ironia sem remorso de seu plano.
O Sol está lá distraído
e estou aqui na autopenumbra
por trás das cortinas cor de mistério.
Respirando triste, insisto ainda
em entender como tantos cegos veem adiante.
O dia azul parece mesmo estar todo o tempo
escondido dentro de meus olhos embaçados:
bom dia, não ouvi o despertador, preciso ir


Rumo à dúvida


É possível comparar um grão de areia a nosso pobre planeta ou mesmo um quantum a uma superestrela, ou à maior galáxia conhecida. Há matemática para isso.
A não ser que você creia em a Terra ser plana...

Enfim... nosso microplaneta comparado ao Infinito não é somente mínimo: simplesmente inexiste, como tudo o que existe inexiste, definitivamente se for físico, palpável. Como comparar uma dimensão compreensível com outra incompreensível?

Morrer talvez seja, pois, alguma oportunidade de ser, afinal. Quem sabe?

Mas por enquanto viajemos esta nossa louca inexistência, travessia cega rumo à dúvida. Por enquanto inexistamos da melhor maneira que pudermos.


Aprendamos


Existem pessoas que só entram em nossa vida para — ainda que o façam sem má intenção — nos confundir, tirar nossa paz, ferir nosso ego, sugar nossa energia, nosso contentamento, enfim: deixar-nos deprimidos. Sentimo-nos o resto do resto, humilhados, fragilizados, patéticos.

Mas em tudo sempre há ensinamentos: são acontecimentos dolorosos, mas que nos fazem meditar. Talvez estejamos pagando algum preço, quem sabe recebendo da vida o contragolpe de algum mal parecido que fizemos a alguém e que também nem tenhamos percebido à época.

Fato é que quem nos faz mal acaba de igual modo sofrendo. Estamos todos interligados... Todos pagamos o preço, todos recebemos contragolpes da vida. Ela (a vida) parece mesmo ser assim. Resignemo-nos, pois, e, sem culpar a ninguém, aprendamos. Simplesmente aprendamos. E sigamos.

Bondade


Se não é bondade genuína, aquela lá de dentro do dentro, não me venha com essa "bondade" fabricada pela religião! Prefiro lidar com pessoas de verdade, com erros e acertos, a me iludir com gente estranha, estranhamente adestrada.


Frágeis degraus


Alguns, com a alma meio cega pelo ímpeto de seu viço momentâneo, nem percebem que estão utilizando outrem como degraus. Muitos não o fazem por maldade calculada, mas, por essa vontade desmesurada de subir e subir e subir, nem se dão conta de onde pisam — ou em quem pisam.

Alguns destes degraus-gente, entretanto, são de material fragílimo, perto do etéreo, e quase se desfazem, abatem-se, logo os “escaladores” põem o pé no seguinte, um passo acima, sem sequer olhar para trás.

Acontece que a maioria desses vaidosos indivíduos perdem as forças — que antes imaginavam possuir suficientemente — e, ao descobrirem que é impossível chegar ao topo dessa escada por demais íngreme, decidem retornar.

Geralmente, a estrutura dos ordinários e frágeis degraus, porém tã importantes à subida daqueles, não suporta o peso do regresso e rompe por completo, vindo esses seres, anteriormente esfomeados de elevar-se a qualquer custo, a cair, arriscando quebrar as pernas. Ou a cabeça.


Um céu


Eis a depressão a palpitação minhas
A ansiedade generalizada a fobia mais fobias
Os transtornos todos em torno dos tolos todos
A lista completa repleta deles
Escrita numa camisa sem força
Que uso pra dormir nunca acordar
Mas cá o sorriso teimoso nesta guerra infame
(toda guerra é infame?)
Lá os que não sabem nada ou quase nada
E eu saindo vivo ou morto ou que se dane
Vou convidar você pra ver o céu
Que hoje por acaso tá escuro pra danar

Celas intrínsecas


Superstições ridículas religiões ridículas tradições ridículas hierarquias ridículas mãezices ridículas uniões ridículas ilusões ridículas inseguranças ridículas escolhas ridículas vinculações ridículas submissões ridículas

Vidas ridículas

Celas intrínsecas
Celas intrínsecas ridículas
onde pessoas ridículas se autoencarceram
como eu


Razoável


Tudo na vida é provisório. Se não formos tolos em demasia, é portanto razoável reinventar-nos a cada alvorada, quem sabe a cada piscar de olhos. É portanto razoável continuamente buscarmos viço e riso em toda milagrosa batida de coração, não levando nada na vida tão a sério. É portanto razoável trançarmos nossa boa lucidez a certa loucura para, de algum modo poético, sobrevivermos a nós mesmos em meio a essa atroz efemeridade, adaptando as engrenagens de nossa máquina de ilusão às horas que sempre chegam, e que passam, sim, inexoráveis passam.


Ainda que feliz


No final sempre será triste: ainda que feliz
a vida é triste

Pois depois haverá algo depois pois?
Não conhecemos: ninguém conhece
e não há como se entregar a certezas de mistérios
Esperança na dúvida: domicílio de aparvalhados

Ah, somos dos raríssimos melancólicos pensadores

Por isso entendo humildemente revoltado, será triste
Sempre triste, triste
Mesmo os afortunados vão desandar deprimidos
Uns antes, outros um pouco mais morosos
Até os superprósperos provarão de si

Então durante a expectativa assim imprecisa
façamos por esquecer e deixemo-nos estar
traindo a nós próprios de tal modo distraídos
como tomamos um café fervendo
               [num dia de verão extremo?

Mas acordo toda hora desse pesadelo e é pior
Com os ossos a mal me sustentar a carne iludida
Com a carne a mentir presunçosa e nada
acordo a todo instante e sou isso e é pior, é pior
No final será sempre triste
a triste vida ainda que feliz

................................................
Enquanto o último futuro não vem, porém
durmamos, descansemos, durmamos, descansemos um pouco
Sonhemos a ilusão corriqueira, aparvalhados também
Porque a vida
a vida
a vida no final será sempre triste
A triste vida ainda que feliz


Não há


Não há como explicar
apenas reinventar a si mesmo
da matéria desse sentimento indefinível
e seguir sonhando...

Ela é o motor de seu intento
sei lá
é muito mais que isso
não há como explicar

Não há

Não há como apenas reinventar a si mesmo
da matéria desse sentimento indefinível
e seguir sonhando

Sei lá...
não há, não


Morto


Estou morto
Fiz o que pude
E o que não pude
Deus, se existe, Ele sabe
Deus sabe
Mas não deu
Pus meu coração inteiro na vida
como nunca fui capaz de fazer
mas não deu
morri
estou morto, morto com a morte mais triste
Insuportável demais... perder a maior raridade...
O choro desesperado na alma
A vida não me compreendeu os limites
os nervos fragílimos
por nunca ter dormido como as pessoas normais
e por esgotamento eletrônico
ou por buscar ser pai como poucos
E a vida com suas conclusões imaginativas
a se tornarem verdades universais que não eram minhas
minhas intenções puras de criança-problema
Ah!
Minhas intenções sempre foram leais e fiéis
e serão pra sempre... intenções de futuro
Ah!
Morri
não fui o suficiente
então morri
estou morto, morto com a morte mais triste

Nesta vida estranha


Querem gritar e não podem, não existem. Quem grita é o livre, o que existe, o mais livre, pois nem o livre é livre nesta vida estranha.

Será que não há alguém que veja vendo mesmo, sinta sentindo mesmo, alguém que não esteja interessado a não ser em si nesta vida estranha?

Olhe, esta vida é estranha...

O que vejo, quando vejo, o que sinto, quando sinto, a única verdade disponível no que sinto, no que vejo, no que existo, quando existo, é que não há um que preste nesta vida estranha.

Nem eu presto quando presto, quando vejo nesta vida estranha.

Nem eu presto quando presto, quando sinto nesta vida estranha.

Nem eu presto quando presto, quando existo nesta vida estranha.

E não existo, não sinto, não vejo, esta vida é estranha!

A esperança é hipócrita, adiada, superficial, egocêntrica e sensacionalista nesta vida, nesta vida estranha.

Quero gritar e não posso, não existo. Quem grita é o livre, o que existe, o mais livre que eu, pois nem o livre é livre nesta vida estranha.



[...]